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10 Abril 2016

E ela nunca mais cantou

Estou na cozinha e vejo-a passar no jardim da parte de trás da casa. Como sempre, apareceu para jantar. Se estivéssemos lá fora aproximava-se para uns mimos e fugia outra vez com o seu namorado, um rafeiro de Bali que a esperava sempre pacientemente junto ao portão. Já é bem tarde e preparamo-nos para dormir pelo que dou a volta à casa para verificar se está tudo trancado.

Nesse dia esteve cá em casa o homem do fogging que deixou veneno -umas bolinhas coloridas com um cheiro insuportável – nuns pequenos pratos de cartão metalizado, dentro de alguns armários.

Quando estou a fechar a porta de um dos quartos que dá para o jardim reparo que há um desses pratos vazios do lado de fora. Não era suposto!! SMS em pânico para o Wayan a perguntar se deixou veneno do lado de fora e se um cão comeria uma coisa daquelas:

– You have dog Marta? I´am sorry. I make mistake.

Chamada para o veterinário de urgência que nos diz para a encontrarmos rápido. Que pode vir até nossa casa mas que isso será caro e que poderá demorar.

– Por favor, não interessa quanto. Venham a correr, eu não tenho como a levar.

 

É quase meia noite, ligamos para os taxis mas não há nada disponível. Uber também não. Os amigos já têm os telefones sem som.

Não foi difícil encontrá-la. Estava um pouco lenta e não se devia sentir muito bem. Trazemo-la para dentro e ela tomba. Desesperadas ligamos outra vez para o veterinário:

– Venham vocês como puderem, dizem-me. Ainda estão a preparar a medicação e têm mais emergências.

 

Corro para o meio da estrada e aceno bastante para o carro que se aproxima. Têm de parar ou atropelam-me. Páram. A chorar imploro-lhes que levem o nosso cão, que está envenenado, para o veterinário.

A Maria fica em casa. Com a Zigi ao colo começa uma viagem vertiginosa até às emergências.

Chegámos a tempo. Foram-lhe dados os anti-choque e anti-tóxicos, o carvão e tudo o que era preciso. Enquanto isso os dois rapazes que me deram boleia esperavam pacientemente lá fora, e já era bem tarde. Deixei a Zigi no veterinário a passar a noite por precaução e para mais tratamentos.

Quando entrei no carro para voltar é que me apercebi que estava com dois estranhos. Dois estranhos muito simpáticos, que me levaram de volta às duas da manhã. Claro, com uns comentários sobre o fabuloso Ronaldo.

No dia seguinte fui buscá-la e estava fresquinha e feliz. Foi comovente porque ela não parava de me lamber as mãos como se pecebesse tudo o que aconteceu e me agradecesse.

Ainda mal nos tínhamos refeito desse susto, teriam passado uns dez dias e ela não voltou dos seus passeios. E passou-se um, dois, três dias e nada. Os cães em Bali têm o tempo de vida de uma borboleta. Porque são atropelados, porque são roubados, porque para eles ter um dono é ter sitio onde comer… depois vão à vidinha deles.

Entretanto terá passado um mês, não sei bem dizer porque aqui nunca sei muito bem a quantas ando, e dela fica a memória do bichinho que mais trabalho nos deu. Trapalhona e independente, sempre metida em problemas, tratada como uma princesa que fez questão de marcar todas as superfícies de cimento da casa. Ao que os homens da obra gritavam em coro:

– Zigi, no!!

Sempre tarde demais, porque o estrago já estava feito.

Ainda temos esperanças que volte…. A ver se me lembro de não voltar a gostar de um cão.

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Correio
Marta Gonzaga
Maria Gonzaga
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